Rivalidades, contradição e angústia pessoal de um torcedor.

   Algo me chama a atenção nas conversas corriqueiras de esquina a respeito do futebol.  Percebo que para além do time do coração os sujeitos tendem a torcer por outras equipes que não a sua em momentos decisivos. Até aí nada, né¿ Você tá lendo isso aqui sem ter um pingo de novidade e está me perguntando “Okey Higor, e aí, o que além do óbvio você tem pra falar¿”.

   De fato, o que disse até então está no campo do evidente. Mas o que me chama atenção está para além disso. Não me interessa apenas atestar que as pessoas torcem por outros times que não o seu em momentos decisivos. A minha angústia nessa contribuição ao Estagiários está ligada ao que diz respeito a natureza dessa torcida. Ou seja, reflito a respeito das motivações que levam um indivíduo a escolher torcer por outra equipe que não a sua numa reta final. 

  Bem, o primeiro motivo é o mais óbvio, se o seu próprio time não está nessa reta final disputando título você acaba em alguns casos selecionando uma equipe dentre as que estão disputando para torcer. Dentro do universo de possibilidades que se vislumbra o carinha vai lá e aponta aqueles que prefere. 

E não adianta falar que se fica totalmente impassível na frente de um jogo ou uma decisão em que sua equipe não joga. Parece uma necessidade natural do sujeito que é torcedor de futebol tomar algum partido. Mesmo que não tenhamos explicitamente uma preferência ao início de uma partida, ao longo dela alguns acontecimentos podem nos ganhar em favor de um time ou de outro. Bem, e essa é apenas uma possibilidade; há muitas outras. Portanto não fazer uma escolha num momento desses não é impossível, mas está bastante no campo do improvável.

   Bom, como Flamenguista que alimenta a rivalidade com os demais cariocas, sobretudo com Vasco e Fluminense nesse ano que transcorre – perdoa Botafogo, não faço por mal, nos últimos anos deu bastante você, esse ano que não – , admito que torci contra ambos em momentos distintos. A questão é: a rivalidade pra mim é aspecto central na minha vida de torcedor. Como amante do futebol um dos elementos que organiza minha vida, mentalidade e o meu social é o mundo da bola; como Flamengo outro elemento organizador da minha vida é a rivalidade, então isso é muito caro a mim. E não sou o único, isso é muito caro a uma infinidade de gente. 

Pois bem, o que define pra quem torcer são preferências subjetivas e arbitrárias. Leitor, não me julgue. Você as tem e eu também. O que organiza minha vida enquanto torcedor é o amor ao futebol e a rivalidade, portanto balizo minha escolha em função disso, talvez você não. Até aí tudo bem.

Bem, desenhei um QUADRO TEÓRICO pra chegar onde eu queria. Sim, o lance vem agora, presta atenção. Lá vai... 

   Acho muito estranho, apesar de respeitar a arbitrariedade dos outros nas suas escolhas quanto ao futebol, como se muda argumentos de rivalidade para transformar algo que se achava ruim em bom subitamente. Aí ferrou, tu ficou confuso. 

Fica tranquilo, vou explicar.

Vou exemplificar com um caso de outro estado só pra eu não influir tanto – pelo menos agora no início. 

   Rio Grande do Sul, lar de Grêmio e Internacional. Um estado em constante Guerra Fria, conflito ideológico. Ou se é avermelhadinho ou tricolor voltado pro azuladinho. BELEZA. Fala pra mim, tem a possibilidade de um Gremista torcer pra um Colorado¿ A resposta óbvia é não, assim como o contrário. Se o Grêmio for jogar o mundial não vai ter um colorado torcendo, não tem esse papo de “O Grêmio é o Brasil no Mundial”. Amigo, diria um colorado, o Grêmio é o Grêmio no Mundial. PONTO. O Grêmio não representa um torcedor do Internacional só porque o estádio é perto, só porque são do mesmo país, do mesmo estado e da mesma cidade. O que organiza a vida de Gremistas e Colorados é a rivalidade, e isso é válido, é legítimo, autêntico. Nunca um Colorado falaria “O Rio Grande do Sul é o máximo, viu outros estados¿ Aqui temos o Grêmio ganhando tudo”. Bom, se ele falasse isso achando de verdade, tudo bem – eu não acredito em colorado assim – mas ele nunca poderia depois falar que realmente é avesso ao Grêmio, afinal, o Grêmio é ruim ou bom a medida dos seus interesses.

  Pois bem, agora vou trazer a conversa pro Rio de Janeiro e vou falar da minha angústia que mencionei lá no iniciozinho do texto. Angustia-me excessivamente esse papo de ter rivalidade com uma outra equipe do mesmo estado, conservar uma oposição – saudável – com uma outra equipe, torcer contra, secar, soltar fogos quando se perde, tirar uma troça e tudo o mais que se tem direito e depois falar assim: “Olha ae paulistada, domínio carioca, somos sinistros.” 

Veja bem, deixa eu esclarecer uma coisa. Não sou contra o cara gostar de torcer pelo estado. Só acho estranho como se muda o argumento dependendo da discussão. Ontem se torcia contra o rival, secava-se, queria o mal, a extinção do clube.  Amanhã usa o título do adversário pra falar de superioridade do futebol do estado.

   Curioso e um pouco tosco. Eu não fico torcendo pro Vasco ganhar nada pra eu falar que meu estado é melhor. Sou Flamengo. Repito, se você quer torcer pelo estado faça com prudência, não paga de rivalidade pra depois transformá-la em benefício pessoal pro seu estado. Ninguém torceu pro Flamengo em 2009 no Rio de Janeiro, é natural isso, faz parte. Há uma rivalidade contra o Flamengo muito forte, por inúmeros fatores, e isso É NORMAL. Aí vem o cara que secou, torceu contra até o último minuto falar: “O RIO DE JANEIRO É SINISTRO, Flamengo campeão disso em 2009, Fluminense em 2010 e Vasco em 2011.” Ora bolas, o cara quer jogar título na cara de paulista, mas ele mesmo torceu contra o meu.

   O que te motiva a escolher um outro time na reta final não me interessa. Acho justo, acho válido e muito legítimo. Só não seja contraditório, por favor. Fique com um argumento estável e mantenha sua postura.

   Você que sobreviveu, Parabéns...

Pega o certificado na saída e põe no Currículo Lattes ou no Vitae.  De tão grande isso aqui foi um Congresso.